quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Lambe-sujo








LAMBE-SUJO X CABOCLINHOS








"O Folguedo é considerado a maior manifestação de teatro espontâneo ao ar livre do mundo".




Conhecida como Lambe-sujo, a manifestação cultural é tratada como teatro popular, e não necessariamente como folclórica. A representação também tem parte no estado de Alagoas, onde recebe o nome de “Auto do Quilombo”, tendo muitas modificações em comparação à festa realizada em Laranjeiras.
Essa festa tem data específica para acontecer, sendo essa data ligada sempre a um movimento libertário. Em Sergipe quando começou a ser dançado, tinha sua data ligada a Independência do Brasil, passando depois para uma data ligada a independência de Sergipe, e hoje acontecendo sempre no segundo domingo do mês de outubro, mês em que se comemora a chegada da nossa independência da Bahia.




A guerra entre os lambe-sujos e caboclinhos é uma representação das investidas que os indígenas faziam aos quilombos, a mando dos capitães-do-mato dos engenhos, para derrotar e aprisionar os negros escravos fugidos, posto que os índios conhecessem melhor a região e teriam como recompensa o que de bens materiais pudessem arrecadar dos negros. A luta do negro pela sua liberdade é seu principal tema, e tem na representação do seqüestro da rainha dos caboclinhos o fator chave para os combates (embaixadas).


O grupo dos lambe-sujos é composto por moradores do município de Laranjeiras, em geral trabalhadores do meio rural e estudantes, e sua indumentária se limita a calções e guritas feitos de flanela vermelha, e uma foice preta, símbolo do trabalho nos canaviais.

Completamente pintados de negro, numa mistura de mel de cabaú e pó xadrez, os lambe-sujos, nos momentos que antecedem os cortejos e as embaixadas, andam pelas ruas pedindo aos passantes: “Dá, dá, iô, iô”, que significa que se o passante não der dinheiro ou prenda, o lambe-sujo vai “melar” o indivíduo.

Em maior número estão os figuras, que são os lambe-sujos, escravos comuns; o Rei cuja indumentária é diferenciada, composta por uma calça de duchese vermelho, a coroa feita de papel cartão dourado, um peitoral feito com espuma e enfeitado de medalhas, pequenas bonecas e correntes douradas, e a espada (a indumentária do Rei remete à estilização moura, e tal possibilidade é respaldada pela vinda de negros com influências mouras para Sergipe); o Filho do Rei cuja indumentária igual é à indumentária do Rei; o Negro Forro que tem a indumentária similar ao dos outros negros, e é aquele que fica na forca, numa representação da rebeldia maior de alguns e é aquele que fica responsável por avisar a todos sobre a chegada dos índios no quilombo; a Mãe Suzana que veste um vestido estampado e carrega na cabeça um cesto de fibra de cipó cheio de utilitários para cozinha como panelas e etc., simbolizando a escrava que foge com os negros para ajuda-los no quilombo, e ela leva consigo suas filhas, figuras que passaram a fazer parte do grupo a pouco tempo e se trajam de forma similar; o Pai Juá que veste-se de forma característica dos Pretos Velhos, usa uma barba branca, está sempre com um cachimbo e é detentor de “feitiços”; e por fim os chamados “feitores”, os Taqueiros que usam calça e camisa de flanela vermelha com colete de couro e como adereços uma taca de couro; figuras trajadas de forma similar a vaqueiros, com gibão e chapéu de couro, e portando chicotes a fim de disciplinar os negros.

Os instrumentos que acompanham o grupo são todos de percussão como: a cuíca que é mais conhecida na região como onça, timbal, atabaques, reco-reco e outros.


No dia anterior, o grupo de moradores corta e monta no antigo porto, às margens do rio, o que seria a representação do quilombo, o mocambo, com bambus em forma de teto, cenário da embaixada final. A dinâmica do grupo se inicia na alvorada em que o grupo, ainda sem se pintar, se reúne na casa do rei. Soltam-se fogos de artifício e os tambores começam a soar. Desse primeiro encontro do grupo, os lambe-sujos saem pedindo contribuições na feira para os ingredientes da tradicional feijoada, oferecida ao meio-dia, na casa do Rei dos lambe-sujos e líder do grupo, seu Zé Rolinha. Nesse momento se reúnem todos caboclinhos e lambe-sujos é como um momento de trégua.


Por volta das nove horas da manhã, os lambe-sujos se encontram novamente nas imediações da casa do líder, e lá se lambuzam com o líquido que dá cor e nome ao grupo. Devidamente paramentados, todos vão brincando pelas ruas da cidade, ao som da onça, tambor, e ganzás e cantando as músicas próprias do brinquedo. Existe uma desordem, os negros avançam sem ordenamento algum, ainda sem a presença das principais figuras: o Rei, o Pai Juá a Mãe Susana.


O grupo dos caboclinhos é composto em sua maioria por crianças, mas também com homens e adolescentes pintados com tinta xadrez vermelha e com indumentária indígena, cocar e saiote de penas, e levam como armas o arco e flecha. As suas figuras são: Rei, Filho do Rei, Rainha e caboclos. Os instrumentos que acompanham o grupo são caixas e tambores. Os índios fazem também seu cortejo anterior às embaixadas pelas ruas sempre em duas filas, simulando a dança do toré. O número de participantes nesse grupo é reduzido pela sua característica mais taciturna, comparada à euforia dos negros lambe-sujos, apesar de representar sempre o lado das batalhas que sempre vence. Como o índio é o caçador, e o negro a caça, no meio tempo em que não se está nos cortejos, nem nas embaixadas, se um caboclinho “frustar” um lambe-sujo, esse segundo se torna escravo do caboclinho, deve entregar o dinheiro que tiver consigo e ficar aprisionado a uma cordinha sendo obrigado a pedir a esmola pelo índio.


O seqüestro da rainha dos caboclinhos é que gera as perseguições, ou os cortejos. As brincadeiras pela cidade são simulações de busca dos caboclinhos e de fuga dos negros. Em conversa com o senhor Zé Rolinha, e com outro líder do grupo, responsável direto pela “orquestra” dos lambe-sujos, Seu Euclides Santana, foi possível apurar que a rainha dos caboclinhos é branca, e seria uma simbologia da Princesa Isabel, que embora fosse branca e filha de aristocratas, assinou a libertação dos negros.
Às onze horas do dia, todos se dirigem às portas da igreja da Matriz, onde o pároco da cidade dará a benção à festa e aos grupos. Acontece a primeira embaixada, que é o enfrentamento dos grupos através de seus líderes. O grupo indígena se recolhe para o almoço, enquanto os lambe-sujos se dirigem à casa do rei para a tradicional feijoada, que foi preparada pela esposa do rei e líder do grupo, atualmente o senhor Zé Rolinha, com ingredientes doados pela população na feira pela manhã do mesmo domingo. Os visitantes convidados pelo líder, ainda não paramentado para a festa, também desfrutam da feijoada.
Aproximadamente às duas horas da tarde é que o grupo, composto até ai apenas pelos figuras, tocadores e taqueiros, vai buscar o seu Rei, com rosto pintado de negro, e indumentária que remete aos reis mouros, posto que na África houve ampla colonização cultural moura, explicação dada pelo líder, Zé Rolinha. Esse momento é de grande euforia de todos, e são toados Vivas ao Rei. Após a presença do Rei, o grupo vai buscar ainda o Pai Juá e a Mãe Susana, em casas diferentes.

Os cortejos pelas ruas são guiados pelo Rei, e ordenados pelos taqueiros que também assustam e até atingem, chegando às vezes a machucar, os espectadores que estiverem no caminho.
Em determinado momento por volta das quinze horas da tarde, acontece uma embaixada, que seria a representação de um possível flagrante dos negros pelos índios. Os negros conseguem fugir. Com o passar das horas já se dirigindo para o fim da tarde, os dois grupos se encontram na via rente ao local onde está montado o quilombo. Acontece mais uma embaixada, em que os líderes dos lambe-sujos e dos caboclinhos se enfrentam com espadas e varas. Os negros vencem mais uma vez.

Então os índios saem de cena, e os negros vão para o quilombo, onde acontece o auge da evolução do grupo. Um mastro foi levantado na noite anterior à festa, e nele sobe um negro forro para ficar de vigia. Quando os índios se aproximam ele sinaliza, e os negros ficam a postos. Acontece mais uma embaixada, que tem defesa dos líderes, do Pai Juá com seus feitiços, e mais uma vez os negros vencem. Mais uma embaixada, que os negros vencem, e então a última embaixada, com uma demora maior na representação da disputa, mas o cacique dos caboclinhos acaba vencendo e os outros índios o ajudam a aprisionar os outros negros.


Transcrição das músicas do folguedo

1-Lambe Sujo
Tava capinando quando a princesa me chamou Ô levanta nego cativeiro se acabou Samba nego - branco não vem cá
Se vier – pau vai leva (bis)

Meu Senhor mandou nego trabalharÔ, no capim, de planta, de no samborá

2- Adeus parente já vou me imbora
Pra terra de Conga* vou ver Angola
Já vou me embora
Já vou agora
Pra terra de Conga vou ver Angola
* Pronúncia local para Congo

3- Oia a nêga cum brinco na urêa
Essa nega ta danada
Ta cum brinco na urêa
Essa nega vai pra fonte, vai cum brinco na ûrea
Essa nega vai lavar, vai cum brinco na urêa
Essa nega vai namora, vai cum brinco na urêa

4 – Meu senhor mandou vou contar pra tu curu
Mas não sou de curu pra tu contar
Sinhá de barriga pra cima
Botando bichinho pra trabalhar
Mais embaixo, nego
Ta certo Sinhá

5- Oi cadê Mãe Suzana, Ô Suzanê
Mãe Suzana morreu, Ô Suzanê
Senhora Mãe Suzana, Ô Suzanê
No oco do pau/ Cadê mãe Suzana

6* – Um mais fogo / fogo de guerra (6x)
*Música de batalha


Música do Caboclinho

Eis caboclo prenda negro, eis caboclo prenda negro.

Eis caboclo prenda negro

Se vier - pau a de levar

Negro correu caboclo pegou

Negro correu caboclo pegou

Negro correu caboclo pegou

Fogo mais fogo, fogo de guerra